Eau de Chanel... Ideia inicial
Um trecho da conversa entre Coco e sua melhor amiga
Misia, que deu início à “ideia de criação” do Chanel Nº 5, logo após a morte de
Boy Capel, o grande amor da vida de Gabrielle Chanel.
“Sobre o que vocês falaram pela última vez? ”, perguntou
Misia. Ela dirigiu uma prece silenciosa aos céus, pedindo a Deus para lhe dar a
inspiração capaz de tirar Coco daquela letargia. E arriscou: “Quero dizer,
quais os planos comerciais de vocês? ”
“Não me lembro mais. Misia não me lembro mais dos detalhes
da nossa conversa. Foram tantas coisas...” Desesperada, Coco tentava agarrar
algo dentro do seu interior, mas não conseguia. Duas lágrimas despontaram em
seus olhos e ela esfregou-as no rosto como se quisesse afastar um inseto
irritante. De repente, um pouco de vida instilou-se em seu semblante. “Tratava-se
de um perfume. Isso, sim, conversamos sobre uma eau de toilette. “
Misia orou em silêncio e esperou.
A voz de Coco soava estranhamente monótona, quase surpresa,
como se admirada o quão bem sua memória tinha voltado a funcionar de repente: “
Havia algo no jornal sobre um assassino de mulheres, que só foi preso porque
uma testemunha se lembrou do seu cheiro. O homem usava Mouchoir de Mousieur, de
Jacques Guerlain, e Boy e eu conversamos sobre as peculiaridades desse perfume.
Pensamos se eu não deveria oferecer uma Eau de Chanel às minhas clientes. Não
nas boutiques, mas como presente de Natal. Uma produção de cem vidros...” Sua
voz emudeceu.
Misia estava ciente de que nunca mais Coco haveria de passar
um Natal leve, sem recordar do acidente de Boy. Temendo que a amiga fosse
submergir no seu mar de infelicidade, ela resolveu encompridar o assunto: “Ora,
um perfume é um presente para todas as datas. Uma ideia maravilhosa. Veja
François Coty: ele ganhou uma fortuna com Chypre porque os soldados americanos
enviaram milhões de frascos para casa como souvenir ou levaram consigo, quando
foram embora. Suas clientes vão amar uma Eau de Chanel...”
“Monsieur Coty é um perfumista. Ele tem uma fábrica. Sou
apenas uma costureira.”
“Não seja ridícula, querida.” Misia começou a se animar com
o tema. Soltou a mão de Coco para continuar gesticulando, cheia de energia:
“Paul Poiret também é apenas um estilista...”
“Mas o maior...”
Até agora a proeminência de Poiret não abalou sua ambição em
nada e nem vai. O importante seria achar uma nota olfativa que fosse tão única
quanto a sua moda. Nada de perfumes pesados, que recendem a rosas. O perfume de
Rosine de Paul Poiret não é outra coisa senão uma impressão sensorial das
criações dele. E não é mais uma última moda. Você faz sucesso, Coco porque ...”
“Porque eu tinha Boy ao meu lado...”
Misia gemeu internamente. “Sim, claro, também por isso. Mas
me permita, Coco, ele não desenhou suas roupas. As suas ideias é que são tão
modernas. E o seu sucesso vem principalmente daí. E se você priorizar o que é
único no seu estilo na hora de escolher os aromas de sua eau de toilette,
estará fazendo uma homenagem a Boy.” Sem fôlego, Misia silenciou, cruzou os
dedos sobre o colo e esperou a reação de Coco.
“ Você tem razão. Já pensei nisso também: vou mandar erguer
um monumento para Boy. De pedra. No lugar do acidente. Quero criar um lugar
para sua memória.“
“Mire o futuro, Coco! Por favor, não olhe para trás. Por
Boy. Por mim. Você não pode simplesmente desistir.”
Perdida em pensamentos, Coco passou a mão pelos cabelos. Não
disse que uma Eau de Chanel não era uma boa ideia. Meus Deus, foi sugestão de
Boy. – Como não dizer que é maravilhosa? Mas não consigo. Sei criar chapéus e
costurar roupas, mas não tenho nenhuma noção sobre o trabalho de um perfumista.
Trata-se de uma área diferente, muito especial. Não vou consegui sozinha. E não
sei de ninguém que poderia me apoiar nessa empreitada. Eu teria que confiar
cegamente nessa pessoa. Boy teria me ajudado. Mas Boy não está mais aqui para
descobrir comigo qual seria meu perfume. “
Misia duvidou que Arthur Capel, (Boy) ligado às artes e com
formação literária, fosse a pessoa adequada para iniciar Coco nos processos de
trabalho num laboratório químico. Mas ela deixou o pensamento de lado e decidiu
tomar a frente da coisa. “Yvonne Coty é uma boa amiga. Você também a conhece,
não? Ela não é sua cliente? Bem, tanto faz: eu poderia pedir para ela falar com
o marido. François Coty certamente poderá ajuda-la. Ele não consegue negar
nenhum desejo de nenhuma mulher e ninguém melhor para ensinar-lhe os segredos
dos aromas que o maior fabricante mundial de cosméticos. ”
“Quando falamos a respeito, Boy disse que Coty era o melhor
para fabricar uma Eau de Chanel”, murmurou Coco.
“Como ele tinha razão.”
Coco encarou Misia com olhos grandes, inescrutáveis. “Por
que alguém tão ocupado quanto monsieur Coty iria perder tempo comigo? Dizem que
ele é um tirano.”
“Mas um tirano muito charmoso. ” Misia deu uma risadinha.
“sabe, mesmo François Coty tem suas fraquezas. Yvonne me contou como ele se
importa em sempre fazer boa figura. Como o grão-duque em A cartuxa de Parma.
Quanto mais conhecida a pessoa que Coty pode impressionar, com suas
habilidades, melhor. E o que é mais tocante do que uma mulher famosa que, como
homenagem ao seu amor, deseja concretizar seu último desejo? ”
Um pouco de cor retornou à face pálida de Coco. “Um perfume
em lembrança de Boy. É algo bem diferente de um monumento...”
“Se você encontrar um aroma especial, será um monumento. Um
momento do amor de vocês.” Misia ficou ouvindo, espantada, o eco das próprias
palavras. Como ela havia chegado a essa ideia? Um anjo deve tê-la sussurrado em
seu ouvido. Era exatamente o caminho certo para tirar Coco da sua letargia.
“Talvez. Mas então eu deveria encontrar o melhor aroma do
mundo. ”
“Você tem de conseguir o melhor perfume do mundo. ” Misia
estava radiante. Ela se perguntou se haveria um deus dos bons cheiros na
mitologia antiga. Pena, não sabia. Mas com ou sem um deus dos perfumes, a
alegria de viver de Coco era importante demais para ser entregue a forças
terrenas. Em pensamento, Misia rogou a todos os deuses que lhe vieram à mente
naquela hora.
“Primeiro vou arranjar uma reunião com François Coty para
você. Estou segura que depois desse encontro tudo será muito fácil.”
(Extraído do livro: Mademoiselle Chanel e o Cheiro do Amor,
de Michelle Marly)
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